Texto de Francisco Alencar Junior
[dois
grupos sobre o palco. À direita um sacerdote católico, ao lado de uma imagem de
Nossa Senhora segurando um menino Jesus, vestido com uma túnica e uma estola
branca com vários símbolos desenhados, inicia a cena enquanto o outro grupo
permanece parado]
PADRE – Irmãos, vamos louvar ao
Senhor cantando aquela musiquinha. (cantarola uma música conhecida com gestos
coreográficos, e rapidamente interrompe) Amém, irmãos! Agora, vamos rezar pra
Nossa Senhora! (todos se ajoelham diante da imagem de Nossa Senhora e murmuram
ao mesmo tempo, e novamente o Padre interrompe) Amém! Amém! Agora vamos louvar
cantando aquela outra musiquinha. (e cantarola a mesma música do início. Uma das
fiéis interrompe o Padre se ajoelhando e chorando).
PECADORA – Padre eu pequei! Padre
eu pequei! Me perdoe, Padre, senão eu vou pro inferno, Padre! Eu não quero ir
pro inferno, Padre! Me
perdoe! Me perdoe!
PADRE – Minha filha, confesse com
Nossa Senhora que ela é mãe do Homem lá em cima, e ela vai interceder por você.
(A pecadora se ajoelha desesperada diante da imagem, enquanto o padre continua
a coreografia sem emitir som).
PECADORA – Virge’maria mãe de
Deus! Tem misericórdia de mim que sou uma pecadora. Minha mãe do céu eu traí
meu marido, virge’santíssima... (dá um suspiro) Não senhora, não foi uma vez
não, e foi com dez homens diferentes, virge’santíssima, e ao mesmo tempo, minha
santinha. Me perdoa! Me perdoa que eu não quero ir pro inferno!... (outro
suspiro) Arrependida? Não, também não estou arrependida não, virge’do céu, na
verdade até que foi uma l-o-u-c-u-r-a, a senhora precisava estar lá pra ver, se
bem que a Senhora não ia entender muito bem, porque a senhora é virgem, não é?
(A imagem cobre os olhos do menino Jesus) Virgem não entende muito dessas
coisas. Se a senhora quiser, depois eu lhe conto com mais detalhes, mas agora
me perdoe, pelo amor de Deus, me perdoe que eu não quero ir pro inferno! Me
perdoe! (A cena congela com a pecadora aos pés da estátua, que prossegue a cena
sozinha)
NOSSA SENHORA – (balançando a
cabeça em sinal de reprovação) Essa meu filho não vai perdoar, essa não tem
mais jeito.
[cena
ao lado: um pastor evangélico vestido de paletó e gravata esgarçada segurando
uma Bíblia preta acompanhado por um obreiro vestido com uma camisa branca de
gravata e mais algumas ovelhas].
PASTOR – Aleluia, irmão! Glória a
Deus! Aleluia! Louvado seja o nome do Senhor! Aleluia! (Os presentes acompanham
os louvores com gritos de Aleluia e Glória a Deus). Meus irmãos, hoje eu trago
uma mensagem de Deus para os irmãos. O Espírito Santo de Deus me revela nesta
noite, irmãos, uma mensagem de salvação para vocês. Pois eu estava vindo para a
igreja, montado no meu jegue, atravessando a ponte o outeiro, quando um clarão
enorme apareceu na minha frente. Eu tomei um susto... virge’maria, cruscredo,
pé de pato, bangalô três vezes! E eis que me apareceu um Anjo Resplandecente do
Senhor e me disse: “irmão Deoclécio José!” (respondendo a pergunta) “Eu?” (imitando
o anjo) “Tem algum outro Deoclécio José montado nesse jegue?” (respondendo)
“Não” (imitando o anjo) “Então deixa de ser jumento que é contigo mesmo que eu
estou falando.” (Se vira para a platéia com trejeito homosexual) Gente, o anjo
era enorme, alto, louro dos olhos azuis e com uma espada desse tamanho. (torna
à compostura de pastor) Então, meus irmãos, o Senhor me revelou e disse que eu
viesse aqui pra salvar a alma de vocês. Pecadores, imundos. E quem aqui quer
salvação? Pois quem quiser salvação venha aqui à frente que eu vou orar por
você, meu irmão. Você! (aponta para uma menina com uma Maria Chiquinha). É você
mesma com os chifres de Satanás na cabeça, o Senhor me revela que existe um
espírito na sua vida. E nós vamos arrancar esse espírito nessa noite. Irmão
(chamando o obreiro), ore na cabeça dessa menina. (o irmão põe a mão na cabeça
da moça) Ore forte, irmão, senão o demônio não sai. (o obreiro ora com mais
veemência) Tudo bem, tudo bem, se ele não quer sair deixa ele aí, quietinho,
que ele não vai fazer mal pra ninguém. Você, minha irmã (aponta pra outra moça
de calça comprida vermelha). É você que se veste como homem. Você não sabe que
está escrito no livro do profeta São Deoclécio José, capítulo dois, versículo
vinte três, que é proibido mulher usar calça comprida?
IRMÃ – Não pastor, eu não sabia.
PASTOR – Pois saiba a senhora que
se a senhora não tirar essa calça a senhora vai queimar no fogo do inferno com
calça e tudo (a mulher faz menção de que vai tirar a calça e é interrompida pelo
pastor). Não irmã, não tire a roupa, que a sua alma tem salvação. O espírito me revela que aquele que der tudo para obra esse será salvo.
IRMÃ – Mas tudo, pastor?
PASTOR – Tudo, tudo! (olha para a irmã com lascívia) E... nem um centavo a
menos. (Recompondo-se passa a falar como um vendedor de feira) Quem quer a salvação? Quem quer a salvação?
TODOS – Eu! Eu!
PASTOR – Então esvaziem seus
bolsos e entreguem tudo que vocês tiverem pra Deus. (O obreiro tira a carteira
porta-cédulas e joga para o alto. O pastor joga fora a Bíblia e agarra a
carteira do obreiro.) Amém! Aleluia! Glória a Deus! Os irmãos que deram tudo o
que tinham para a obra de Deus esperem que dentro de dois ou três meses vai
chegar na casa de vocês, pelo reembolso postal, seu certificado de salvação,
assinado por Deus, e avalizado por mim, que sou seu representante direto aqui
na terra. E tem mais um alerta. Atenção! Tem igrejas por aí distribuindo
certificado de salvação falsificado por um e noventa e nove. Tomem cuidado! O
único certificado verdadeiro é o que tem o selo do irmão Deoclécio no verso
(mostra um diploma com uma inscrição no verso). Não se deixem enganar pelas
obras de satanás. (a cena congela)
[o
primeiro grupo se posiciona para uma oração árabe de frente para a platéia. O
Sheik levanta puxando a oração e os demais respondem acompanhando os mesmos
versos].
SHEIK – Allahu Akbar, Akbar
TODOS – Allahu Akbar, Akbar
SHEIK – Esher wellah illah lah
TODOS – Esher wellah illah lah
[a
cena congela e um componente do grupo um sai de cena. O grupo dois está na
mesma disposição cênica do grupo um sendo que de pé].
SHELIAH – Baruch Atah Adonai. Eloheno
Melech Haolam. Asher Bahar báno bekol haamim... Vai! (Todos dançam naguila hava
com coreografia de axé-music)
Hava,
Naguila Hava,
Naguila Hava,
Naguila Veitsmechá.
Hava neronená
Hava neronená
Hava neronená
veitsmechá
[enquanto
o sheliah puxa a dança, o sheik começa a rosnar como um cachorro. O sheliah
passa a rosnar também e os dois começam a latir um pro outro. A cena é
interrompida por uma devoto vaishnava. Entra um devoto, envolto num dote, com
uma bolsa e um boné escrito “CRIXINA”, ele entra por trás e tira da bolsa uma
vara de incenso de 1m de comprimento. Um componente do segundo grupo sai de
cena]
VAISHNAVA – Com licença, com
licença. Um minuto da atenção de todos por favor. (Todos param e permanecem na
posição que estavam,inclusive os cachorros, e olham para o devoto) É que eu sou
estudante de filosofia oriental, e estamos numa campanha vendendo esse
maravilhoso incenso sagrado (cheira o incenso), feito do coco sagrado da vaca
sagrada da índia, que você leva pra casa pela pequena quantia de cinqüenta
reais. Aceitamos, vale transporte, ticket refeição, cheque pré-datado e título
da dívida pública, fazemos preço especial para quem quiser pagar em dólar.
Alguém vai querer? (Os cachorros se olham, rosnam, viram para o devoto, começam
a latir, o devoto corre e todos correm atrás dele).
F I M
Esquete produzida na Oficina de Teatro "Experiência em Cena" - módulo I - 2001
Nenhum comentário:
Postar um comentário