quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Religião


Texto de Francisco Alencar Junior

[dois grupos sobre o palco. À direita um sacerdote católico, ao lado de uma imagem de Nossa Senhora segurando um menino Jesus, vestido com uma túnica e uma estola branca com vários símbolos desenhados, inicia a cena enquanto o outro grupo permanece parado]

PADRE – Irmãos, vamos louvar ao Senhor cantando aquela musiquinha. (cantarola uma música conhecida com gestos coreográficos, e rapidamente interrompe) Amém, irmãos! Agora, vamos rezar pra Nossa Senhora! (todos se ajoelham diante da imagem de Nossa Senhora e murmuram ao mesmo tempo, e novamente o Padre interrompe) Amém! Amém! Agora vamos louvar cantando aquela outra musiquinha. (e cantarola a mesma música do início. Uma das fiéis interrompe o Padre se ajoelhando e chorando).

PECADORA – Padre eu pequei! Padre eu pequei! Me perdoe, Padre, senão eu vou pro inferno, Padre! Eu não quero ir pro inferno, Padre! Me perdoe! Me perdoe!

PADRE – Minha filha, confesse com Nossa Senhora que ela é mãe do Homem lá em cima, e ela vai interceder por você. (A pecadora se ajoelha desesperada diante da imagem, enquanto o padre continua a coreografia sem emitir som).

PECADORA – Virge’maria mãe de Deus! Tem misericórdia de mim que sou uma pecadora. Minha mãe do céu eu traí meu marido, virge’santíssima... (dá um suspiro) Não senhora, não foi uma vez não, e foi com dez homens diferentes, virge’santíssima, e ao mesmo tempo, minha santinha. Me perdoa! Me perdoa que eu não quero ir pro inferno!... (outro suspiro) Arrependida? Não, também não estou arrependida não, virge’do céu, na verdade até que foi uma l-o-u-c-u-r-a, a senhora precisava estar lá pra ver, se bem que a Senhora não ia entender muito bem, porque a senhora é virgem, não é? (A imagem cobre os olhos do menino Jesus) Virgem não entende muito dessas coisas. Se a senhora quiser, depois eu lhe conto com mais detalhes, mas agora me perdoe, pelo amor de Deus, me perdoe que eu não quero ir pro inferno! Me perdoe! (A cena congela com a pecadora aos pés da estátua, que prossegue a cena sozinha)

NOSSA SENHORA – (balançando a cabeça em sinal de reprovação) Essa meu filho não vai perdoar, essa não tem mais jeito.

[cena ao lado: um pastor evangélico vestido de paletó e gravata esgarçada segurando uma Bíblia preta acompanhado por um obreiro vestido com uma camisa branca de gravata e mais algumas ovelhas].

PASTOR – Aleluia, irmão! Glória a Deus! Aleluia! Louvado seja o nome do Senhor! Aleluia! (Os presentes acompanham os louvores com gritos de Aleluia e Glória a Deus). Meus irmãos, hoje eu trago uma mensagem de Deus para os irmãos. O Espírito Santo de Deus me revela nesta noite, irmãos, uma mensagem de salvação para vocês. Pois eu estava vindo para a igreja, montado no meu jegue, atravessando a ponte o outeiro, quando um clarão enorme apareceu na minha frente. Eu tomei um susto... virge’maria, cruscredo, pé de pato, bangalô três vezes! E eis que me apareceu um Anjo Resplandecente do Senhor e me disse: “irmão Deoclécio José!” (respondendo a pergunta) “Eu?” (imitando o anjo) “Tem algum outro Deoclécio José montado nesse jegue?” (respondendo) “Não” (imitando o anjo) “Então deixa de ser jumento que é contigo mesmo que eu estou falando.” (Se vira para a platéia com trejeito homosexual) Gente, o anjo era enorme, alto, louro dos olhos azuis e com uma espada desse tamanho. (torna à compostura de pastor) Então, meus irmãos, o Senhor me revelou e disse que eu viesse aqui pra salvar a alma de vocês. Pecadores, imundos. E quem aqui quer salvação? Pois quem quiser salvação venha aqui à frente que eu vou orar por você, meu irmão. Você! (aponta para uma menina com uma Maria Chiquinha). É você mesma com os chifres de Satanás na cabeça, o Senhor me revela que existe um espírito na sua vida. E nós vamos arrancar esse espírito nessa noite. Irmão (chamando o obreiro), ore na cabeça dessa menina. (o irmão põe a mão na cabeça da moça) Ore forte, irmão, senão o demônio não sai. (o obreiro ora com mais veemência) Tudo bem, tudo bem, se ele não quer sair deixa ele aí, quietinho, que ele não vai fazer mal pra ninguém. Você, minha irmã (aponta pra outra moça de calça comprida vermelha). É você que se veste como homem. Você não sabe que está escrito no livro do profeta São Deoclécio José, capítulo dois, versículo vinte três, que é proibido mulher usar calça comprida?

IRMÃ – Não pastor, eu não sabia.

PASTOR – Pois saiba a senhora que se a senhora não tirar essa calça a senhora vai queimar no fogo do inferno com calça e tudo (a mulher faz menção de que vai tirar a calça e é interrompida pelo pastor). Não irmã, não tire a roupa, que a sua alma tem salvação. O espírito me revela que aquele que der tudo para obra esse será salvo.

IRMÃ – Mas tudo, pastor?

PASTOR – Tudo, tudo! (olha para a irmã com lascívia) E... nem um centavo a menos. (Recompondo-se passa a falar como um vendedor de feira) Quem quer a salvação? Quem quer a salvação?

TODOS – Eu! Eu!

PASTOR – Então esvaziem seus bolsos e entreguem tudo que vocês tiverem pra Deus. (O obreiro tira a carteira porta-cédulas e joga para o alto. O pastor joga fora a Bíblia e agarra a carteira do obreiro.) Amém! Aleluia! Glória a Deus! Os irmãos que deram tudo o que tinham para a obra de Deus esperem que dentro de dois ou três meses vai chegar na casa de vocês, pelo reembolso postal, seu certificado de salvação, assinado por Deus, e avalizado por mim, que sou seu representante direto aqui na terra. E tem mais um alerta. Atenção! Tem igrejas por aí distribuindo certificado de salvação falsificado por um e noventa e nove. Tomem cuidado! O único certificado verdadeiro é o que tem o selo do irmão Deoclécio no verso (mostra um diploma com uma inscrição no verso). Não se deixem enganar pelas obras de satanás. (a cena congela)

[o primeiro grupo se posiciona para uma oração árabe de frente para a platéia. O Sheik levanta puxando a oração e os demais respondem acompanhando os mesmos versos].

SHEIK – Allahu Akbar, Akbar
TODOS – Allahu Akbar, Akbar
SHEIK – Esher wellah illah lah
TODOS – Esher wellah illah lah

[a cena congela e um componente do grupo um sai de cena. O grupo dois está na mesma disposição cênica do grupo um sendo que de pé].

SHELIAH – Baruch Atah Adonai. Eloheno Melech Haolam. Asher Bahar báno bekol haamim... Vai! (Todos dançam naguila hava com coreografia de axé-music)

Hava,
Naguila Hava,
Naguila Hava,
Naguila Veitsmechá.
Hava neronená
Hava neronená
Hava neronená veitsmechá

[enquanto o sheliah puxa a dança, o sheik começa a rosnar como um cachorro. O sheliah passa a rosnar também e os dois começam a latir um pro outro. A cena é interrompida por uma devoto vaishnava. Entra um devoto, envolto num dote, com uma bolsa e um boné escrito “CRIXINA”, ele entra por trás e tira da bolsa uma vara de incenso de 1m de comprimento. Um componente do segundo grupo sai de cena]

VAISHNAVA – Com licença, com licença. Um minuto da atenção de todos por favor. (Todos param e permanecem na posição que estavam,inclusive os cachorros, e olham para o devoto) É que eu sou estudante de filosofia oriental, e estamos numa campanha vendendo esse maravilhoso incenso sagrado (cheira o incenso), feito do coco sagrado da vaca sagrada da índia, que você leva pra casa pela pequena quantia de cinqüenta reais. Aceitamos, vale transporte, ticket refeição, cheque pré-datado e título da dívida pública, fazemos preço especial para quem quiser pagar em dólar. Alguém vai querer? (Os cachorros se olham, rosnam, viram para o devoto, começam a latir, o devoto corre e todos correm atrás dele).

F I M

Esquete produzida na Oficina de Teatro "Experiência em Cena" - módulo I - 2001


Nenhum comentário:

Postar um comentário